Que título davas a esta crónica ó tu que fumas? *
Estamos em Santarém, perto de Lisboa o suficiente para irmos em coluna militar destronar um regime fascista, e não estamos perto o suficiente para fazermos parte de um território onde deixem de mandar os ódios políticos e as invejas.
Vivo e trabalho numa região cheia de gente boa e de respeito. O meu território dá pão, fruta e vinho, como muitos poucos territórios no mundo; posso trabalhar em Lisboa e ir dormir todos os dias a Santarém, ou vice-versa, que não perco qualidade de vida. Foi por aqui que nasceram ou morreram homens como José Saramago e Pedro Álvares Cabral, só para dar dois exemplos. O Tejo é uma realidade que diferencia os campos da Lezíria e um rio que nasce em Espanha mas é em território português que a qualidade dos aquíferos lhe dá uma riqueza e excelência que não tem paralelo em muitos rios de outros países da Europa.
Não me faltam adjectivos para valorizar a terra onde nasci. Não me faltam palavras para dizer ao mundo que o meu território é mágico; e sou um privilegiado por ter nascido, viver e trabalhar aqui.
O facto de ser jornalista de profissão faz com que não aproveite bem esta bênção. Não me conformo com a postura arrogante e a sobranceria dos líderes políticos e empresariais da minha terra e da minha região; nesta altura não vejo ninguém a nível regional que mereça verdadeira admiração pelo trabalho que lhe compete fazer em nome do território.
Com todo o respeito pelas galinhas, que nos dão os ovos e são o melhor petisco no espeto, só vejo galináceos à minha frente a disputarem pequenos poderes que, hoje, como há 40 anos, só dividem em vez de unirem. Algumas associações lideres, que deviam ser o exemplo, em vez de premiarem os melhores dão as mãos aos falhados frustrando as expectativas de quem confia neles por gerirem pessoas e territórios. Os políticos dos concelhos mais ricos não conseguem uma agenda colectiva que não seja para as reuniões obrigatórias nas comunidades intermunicipais. Não há mérito colectivo no Ribatejo que seja notícia nacional salvo uma ou outra excepção.
Em Santarém dizemos alto e bom som que somos mil vezes melhor que os alentejanos, mas vamos a Évora, que tem um território e uma população mais pequena que a nossa, e encontramos uma diferença que nos envergonha. E Évora não tem rio, nem Lisboa a 60 quilómetros por auto-estrada, nem a Linha de Sintra quase à mesma distância de Lisboa, nem Leiria ou a Nazaré ou o Santuário de Fátima a pouco mais de meia hora de carro.
O Turismo do Ribatejo e do Alentejo entrega todos os anos prémios aos melhores espaços turísticos. Candidatam-se duzentas empresas do Alentejo e 20 do Ribatejo. Alguém percebe esta apatia? Santarém foi a terra de onde saiu a coluna militar de Salgueiro Maia para reconquistar a liberdade em Portugal em 25 de Abril de 1974. Alguém consegue perceber esta anomalia portuguesa e ribatejana? Estamos em Santarém, perto de Lisboa o suficiente para irmos em coluna militar destronar um regime fascista, e não estamos perto o suficiente para fazermos parte de um território onde deixem de mandar os ódios políticos, as invejas, os punhetas que têm lugares de responsabilidade e passam a vida a fingir que a evolução do território não é com eles nem com as suas associações e as suas empresas?
Juro que ainda não perdi a paciência nem a esperança. Estou por aqui todos os dias a dar conta também de alguns exemplos que me fazem ter esperança no futuro e em algumas pessoas da minha terra e da minha região com quem vou também partilhando o meu descontentamento: a desilusão por ter que baixar diariamente a minha fasquia quando o meu gozo maior é acordar todos os dias com a ilusão que trabalho e vivo no melhor território do mundo com as melhores pessoas do mundo. JAE
* Título roubado à memória de uma pergunta que me fizeram há 30 anos e para a qual não tive resposta